Cristiane Galvão: mulher, brasileira e cientista


Após mais de três décadas de atuação em universidades, faço uma corajosa sobre a trajetória que fiz como mulher, brasileira e cientista. Este relato inclui descrição das dificuldades enfrentadas, resistência e dedicação incansável à transformação social e científica.

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Sou uma cientista brasileira cuja trajetória revela diferenciais como originalidade e autonomia intelectual, pensamento sistêmico e transdisciplinar, resiliência acadêmica e impacto criativo.

Ao longo de mais de três décadas atuando em universidades, principalmente brasileiras, construí pontes sólidas entre ciência da informação, saúde pública, inovação tecnológica e transformação social.

Minhas qualidades vão além das métricas tradicionais de produtividade, expressando-se na capacidade de propor soluções criativas e transdisciplinares para problemas complexos. Concebi e lidero projetos como o "Biblioteca Viva" e o "Centro Brasileiro de Referência em Informação em Saúde (CBRIS)"; desenvolvi metodologias de síntese de evidências aplicadas à saúde pública; e estabeleci redes de colaboração com centros de diferentes países.

Minha inserção global é comprovada por convites como pesquisadora para atuar em países como Alemanha, Chile, Índia, Uruguai e Espanha. Fui premiada na Tailândia pela Asian Health Literacy Association (AHLA) por meu trabalho em alfabetização em saúde, tornando-me a primeira não asiática a receber essa distinção. Tenho liderado articulações com instituições multilaterais e pesquisadores de vários continentes.

Apesar do legado construído, as perdas acadêmicas que tive foram reais, incluindo:

  • Exclusão reiterada de reuniões estratégicas e espaços institucionais decisórios, limitando minha influência nas políticas institucionais e decisões importantes;
  • Tentativas sistemáticas de alteração do espaço físico institucional a mim atribuído, como ameaças de ocupação da sala por outros docentes;
  • Desqualificação profissional por meio de comentários depreciativos;
  • Tratamento diferenciado em processos administrativos e seletivos, resultando em indeferimentos injustificados;
  • Boicote constante e velado a iniciativas de cooperação internacional, evidenciado por omissões institucionais e respostas burocráticas desprovidas de interesse ou ação concreta;
  • Desconsideração recorrente de propostas inovadoras e relevantes, reduzindo a capacidade de impacto acadêmico e social de minhas iniciativas;
  • Comentários pessoais inapropriados sobre situação familiar ou afetiva, contribuindo para um ambiente de trabalho tóxico e emocionalmente desgastante;
  • Desincentivo sistemático à denúncia formal em casos de assédio, promovendo impunidade institucional;
  • Invisibilização institucional constante das contribuições acadêmicas, como ausência de reconhecimento público de méritos e realizações concretas no campo científico;
  • Uso inadequado de argumentos administrativos para justificar decisões arbitrárias ou prejudiciais ao desenvolvimento profissional e acadêmico.

E, apesar de tudo isso, contrariando todas as expectativas, sobrevivi. Enfrentei as adversidades acadêmicas com uma estratégia silenciosa: enquanto muitos pediram demissão, desistiram ou se calaram, eu produzi, orientei, publiquei, ensinei e inovei. Criei linhas de pesquisa independentes, formei gerações de profissionais e pesquisadores e mantive minha autonomia intelectual. Conciliei essa jornada com a criação de filhos gêmeos — um feito que exige mais energia do que qualquer avaliação institucional pode mensurar.

Hoje,  já com meus filhos crescidos, estou mais pronta do que nunca para empregar todo o meu potencial científico, intelectual e emocional. O sistema acadêmico que tentou me silenciar e sistematicamente me oprimir já não me intimida. Provei com ações — não apenas palavras — que sou um ser humano de resistência e excelência. Meu conhecimento é meu legado — e isso ninguém será capaz de me tirar. Agora, o que o futuro me reserva depende apenas do encontro com mentes que ressoem com a minha e vibrem na mesma sintonia para construir uma ciência em prol da sociedade e das populações mais vulneráveis, contrariando interesses velados de diferentes naturezas.

Gostou? Compartilhe. Mas, você pode fazer mais por todas as pessoas que passam por assédio em ambientes acadêmicos. Crie seu relato para que eu e outros também possam ler. Você não precisa citar pessoas ou nomes de instituição, apenas sua perspectiva e seus sentimentos. Nossos relatos, palavras e verdades, quando somados, transformam estruturas conservadoras e retrógradas.


O Global Digital Health: Our lab is here! é coordenado pela Profa. Dra. Maria Cristiane Barbosa Galvão na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Contato: mgalvao@usp.br